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Fermento natural é ótimo para pães e pode durar a vida inteira! Aprenda a fazer o seu

Luciana Mastrorosa

08/07/2017 08h05

Aqui, o levain que acompanha o chef Shimura desde 2009. Foto: Lucas Lima

Já ouviu falar em massa madre, levain, sourdough? São nomes diferentes para o mesmo produto: o fermento natural. Com ele, se fazem aqueles pães maravilhosos de casca dura e miolo macio, como os pães italianos. Mas não só: a partir dessa cultura de micro-organismos (que pode ser feita apenas de farinha e água ou outras misturas), dá para compor diversos tipos de pães. Não há limites.

O segredo está em conseguir um bom fermento. Sem ele, o pão não desenvolve, pode ficar duro, massudo ou insosso. Mas, se tiver um levain forte e souber cuidar bem dele, a garantia de deliciosas fornadas é vitalícia: tem padaria em São Paulo com fermentos de mais de 100 anos!

E dá para fazer isso em casa? Foi exatamente o que perguntamos ao chef Rogério Shimura. O chef é tão fã do fermento natural que criou a Levain Escola de Panificação. Em sua fábrica-escola no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, Shimura e sua equipe consomem 20 baldes por dia de levain, com 6 quilos cada um. Ali são produzidas cerca de 2 toneladas por dia de pães, destinadas a abastecer clientes (hotéis, restaurantes, cantinas, lanchonetes) e também as três lojas da marca, nos shoppings Paulista, Cidade de São Paulo e Center 3.

Rogério Shimura, da Levain Escola de Panificação, em São Paulo. Foto: Lucas Lima

Visitamos a escola do chef e acompanhamos em detalhes o processo de fazer um bom fermento natural, daqueles para guardar a vida toda. O que aparece na foto que abre este texto está com o chef desde 2009, firme e forte. Já adianto que é necessário ter paciência, pois, seguindo a técnica de Shimura, o cultivo inicial dura um mês até o levain ficar no ponto certo para utilizar. "Até dá para usar antes, mas o fermento não fica tão forte e o resultado não é o melhor possível", diz ele. Quer arriscar?

Já tem levain? Aprenda a fazer pão de fermentação natural com chocolate e ameixa, do chef Rogério Shimura

Como se forma o fermento
Existem muitas formas de se obter um fermento natural. A mais simples de todas é a mistura de água com farinha de trigo, na proporção de 50% e 50%. Micro-organismos presentes naturalmente no ar irão fermentar esse mix, trazendo o levain à vida. Alimentado diariamente, na mesma proporção, por 4 a 6 dias, o fermento irá borbulhar e borbulhar e estará pronto para ser usado. "Sabemos que o levain é bom quando o pão fermenta bem", lembra Shimura. A técnica do chef é um pouco diferente dessa, e mais longa. Como ele se dedica a formar futuros padeiros, a padronização dos ingredientes e do método empregado tem de ser bem rigorosa, para funcionar sempre. Assim, seu levain demora 30 dias para ficar perfeito, mas, a partir daí, é só tratá-lo bem para ter um fermento ótimo por muito tempo.

Ingredientes básicos para o fermento natural: farinha de trigo e caldo de cana. Foto: Lucas Lima

Farinha e água ou caldo de cana, uva passa, maçã…
Na técnica de Shimura, tudo começa com caldo de cana e farinha de trigo. A cana tem bastante açúcar e vai servir como alimento para dar o start. "Antes de misturar, deixe a garapa fora da geladeira por 6 horas, para fermentar", ensina o chef. A proporção é importante: use 100 gramas de farinha de trigo para 70 gramas de caldo de cana. Não, você não leu errado: está tudo em gramas mesmo. "Isso é fundamental para ter um resultado sempre uniforme", diz o chef. Assim, antes de começar a criar seu próprio fermento, é interessante investir numa balança simples de cozinha, de preferência digital. A mistura de farinha e garapa deve ser, então, colocada num recipiente com tampa, mas não pode ser hermeticamente fechado. Pode colocar a tampa e só encostar, sem fechar totalmente, para garantir troca de ar e impedir que insetos e sujeiras contaminem o levain. Ou usar uma daquelas embalagens plásticas para alimentos, com tampas que contêm microfuros que permitem a passagem do ar. Se preferir, pode substituir o caldo de cana por maçã ou água de uva passa. Veja o passo a passo dessas outras técnicas no site do chef.

15 horas de fermentação: quase nada de bolhas e textura ainda lisa. Foto: Lucas Lima

Alimente bem o seu levain
O dia zero é aquele em que você vai misturar a farinha e o líquido fermentado (no caso, a garapa). 24 horas depois, essa massa fermentada já é o levain e você considerará este como o dia 1 para alimentar o seu fermento. Use sempre a seguinte proporção para alimentar o levain: 100% de farinha de trigo refinada, 50% de levain e 60% de água. A matemática é simples: no dia zero, você tinha 100 gramas de farinha e 60 gramas de líquido fermentado que, somados, darão 160 gramas, certo? Mas no dia 1 usaremos apenas 50 gramas do levain, o restante será descartado. Parece desperdício, mas é melhor fazer esse descarte agora do que ter de alimentar um fermento de muitos quilos lá na frente. Recapitulando: no dia 1, pegue 50 gramas do seu levain e misture-o a 100 gramas de farinha de trigo e 60 gramas de água. Proceda exatamente da mesma forma até o dia 7. No oitavo dia, coloque o levain na geladeira e não o alimente. No dia 9, alimente na mesma proporção (usando ainda 50 gramas de levain e descartando o resto) e deixe fora da geladeira. E, assim, sucessivamente, até chegar ao dia 30, quando já poderá usar seu fermento para fazer pão. Se precisar de mais do que 50 gramas de fermento, é simples: deixe de descartar parte da massa e siga alimentando-o na proporção até o final.

Fermento com 30 horas: textura vai ficando mais esponjosa. Foto: Lucas Lima

Manutenção e cuidados
Depois de percorrer essa maratona, você vai notar que o fermento vai mudando a cada dia, tornando-se esponjoso até, por fim, virar uma massa grudenta, lisa e brilhante, com cheiro fresco de fermento. Alguns cuidados são fundamentais para não deixar seu fermento morrer. O primeiro deles é sempre prezar muito pela higiene. A cada vez que alimentar o levain, passe-o para uma tigela, alimente-o e lave bem o pote da fermentação antes de colocá-lo de volta. Isso evita que ele mofe ou embolore. Importantíssimo: se houver mofo, bolor ou contaminação por insetos, jogue tudo fora e comece novamente. Depois de pronto, você pode deixar o seu levain na geladeira e alimentá-lo uma vez por semana, se não precisar de fermento todo dia. Ou, se não pretende utilizá-lo por mais de uma semana, pode congelar. Ele se conserva no freezer por até um ano. Para reativá-lo, basta tirar do freezer e alimentá-lo diariamente, seguindo sempre a proporção correta, até obter a quantidade desejada de levain para sua receita.

Que tipo de farinha usar? Precisa ser água mineral?
Novamente, é importante lembrar que há muitas formas diferentes de se obter o levain. É claro que diferentes farinhas podem dar diferentes resultados. Mas o chef lembra que o fermento natural pode ser feito com qualquer tipo de farinha, inclusive a de trigo integral e a de centeio, dessas comuns que a gente encontra no mercado. O importante é que seja de boa qualidade. "Todo o material que uso é nacional", diz o chef. "Sempre recomendo aos alunos que usem a melhor farinha que puderem e que o bolso permitir, seja a do dia a dia, a orgânica, a italiana, etc". No caso da água, o chef recomenda que seja filtrada, para não ter excesso de cloro, mas não precisa ser a mineral.

Pães de fermentação natural com chocolate e ameixa. Foto: Lucas Lima

Tempo de fermentação e de forno
Depois de pronto, você pode usar o levain da forma como preferir. Se precisar de uma quantidade maior de fermento, basta alimentá-lo na mesma proporção de 100% de farinha de trigo, 50% de levain e 60% de água, sem descartar nada do fermento, até ele chegar na quantidade que você precisa. Um adendo: se a farinha for integral ou de centeio, a proporção de alimentação do levain muda para: 100% de farinha integral, 50% de levain e 100% de água. A diferença fundamental entre um pão feito com fermento biológico industrializado e outro feito com levain é o tempo de fermentação: pode levar até 20 horas para a massa dobrar de volume, mas é normal. Esse tempo prolongado também ajuda a desenvolver os sabores. Depois que a massa cresceu, o tempo de forno é rápido, cerca de 35 minutos. Você pode usar ou não vapor, mas o importante é que ele esteja bem cozido por dentro (se tiver um termômetro, confira a temperatura do miolo: acima de 92°C significa que o pão está assado).

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.