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Sorgo, fermentação e sustentabilidade no Congresso de Nutrição Funcional

Luciana Mastrorosa

30/09/2017 08h00

Sorgo, um cereal a ser descoberto pelos brasileiros (foto: iStock)

Na metade deste mês, São Paulo recebeu a XIII edição do Congresso Internacional de Nutrição Funcional. Este ano, o evento, organizado pelo VP – Centro de Nutrição Funcional – teve como tema norteador a sustentabilidade e sua relação com a nutrição e a alimentação. Além de debater assuntos muito específicos para profissionais de saúde, como obesidade e inflamação, o programa incluía também oficinas culinárias e palestras com profissionais de diversas áreas, de nutricionistas a chefs e experts em alimentação saudável, tornando a programação ampla e acessível para qualquer pessoa que deseja saber mais sobre o assunto. Se você perdeu este, o evento já tem data (e tema) para o ano que vem: a próxima edição ocorrerá entre 13 e 15 de setembro de 2018, focada em "novas intervenções na Clínica Funcional para a prevenção e tratamento dos desequilíbrios orgânicos" e "avanços e polêmicas em Nutrição Esportiva Funcional".

O núcleo de palestras dividiu-se em dois grandes temas: nutrição esportiva e nutrição clínica, ambos com enfoque funcional. Como este blog fala de comida para todos, me dediquei às palestras da área clínica, que me pareceram mais amplas para o público em geral. Vi muita coisa boa por lá e deixo abaixo alguns destaques do que achei mais interessante e que cabia na nossa abordagem aqui:

Aposte no sorgo (e na mandioca!)
A mesa redonda com a dra. Ana Vládia Moreira, da Universidade Federal de Viçosa, foi uma das mais interessantes. Ela comentou as potencialidades da mandioca e do sorgo – este, um cereal ainda desconhecido da maioria dos brasileiros – na dieta do dia a dia, especialmente para aqueles que não podem consumir glúten. Segundo a especialista, o Brasil já está produzindo mais de cem cultivares diferentes de sorgo, todas elas ainda por serem descobertas em todo o seu potencial. Descobertas recentes mostram que esse cereal, bastante consumido na África, é excelente para a saúde. Sua farinha, por exemplo, é rica em antioxidantes, e os grãos inteiros são bons para prevenir alterações na glicemia e na microbiota. Ana Vládia destacou também o papel da mandioca na dieta nacional e afirmou que pequenas alterações no modo de preparo podem melhorar, e muito, sua qualidade nutricional. A tapioca, por exemplo, fica mais rica e nutritiva quando temperada com ervas ou com chá de especiarias no lugar da água para hidratação da massa.

Fermente seu arroz e feijão
Quando vi o tema dessa palestra, pensei: mas gente, fermentar o arroz e o feijão? O povo não está indo longe demais, não? Aí o chef Gilberto Basseto Jr., especialista em culinária ayurvédica (que segue os princípios da Ayurveda, uma filosofia médica oriental milenar, desenvolvida na Índia), começou a contar como aprendeu a fermentar os grãos e cereais, e os resultados disso para a saúde e o paladar, e tudo fez sentido. Gilberto, que também apresentou uma oficina culinária no evento, apresentou duas receitas tradicionais indianas, as dosas (uma espécie de panqueca) e os idlis (bolinhos cozidos no vapor). Para as receitas, o chef utilizou arroz agulhinha e feijão fradinho fermentados, em substituição aos utilizados originalmente na Índia (arroz e um tipo de grão preto que só tem por lá). Primeiro, o arroz e o feijão ficam de molho por 8 a 12 horas. Depois, são lavados e triturados para se obter uma massa. Essa massa recebe temperos diversos e fermenta novamente por até 24 horas. Uma vez pronta, pode ser cozida na frigideira como uma panqueca ou preparada no vapor. Além de uma delícia, é uma forma diferente de consumir o arroz com feijão básico. Bônus: o chef garante que a fermentação aumenta o teor de vitaminas do complexo B e melhora muito a digestibilidade desses grãos (isso é ótimo principalmente para quem costuma ter dificuldades com o feijão).

O sal nosso de cada dia
Para completar, a autora Conceição Trucom, que já falou com a gente aqui sobre a questão do leite, fez uma palestra contundente sobre a questão do sal. Como a gente comentou no blog, há diversos tipos diferentes de sal disponíveis no mercado (tem até do tipo azul!) e o rosa do Himalaia virou uma febre. Pois a especialista em alimentação saudável incendiou a plateia com seu discurso em defesa do sal brasileiro produzido em Mossoró, tido como um dos mais puros do mundo. Conceição criticou duramente o uso do sal do Himalaia e defendeu que todo brasileiro deveria ter acesso ao sal de Mossoró, integral, sem refinamentos nem adição (ou retirada) de minerais. A autora lançou no evento seu mais novo livro, "O Sal da Vida" (editora Doce Limão, R$ 30), em que faz uma análise detalhada sobre esse alimento indispensável para o ser humano, da história de seu consumo até os usos e abusos.

Dois lançamentos para conhecer
Para finalizar, mais dois livros lançados no Congresso chamaram a atenção. O primeiro deles é o "Gastronomia funcional no esporte" (Editora VP, R$ 55), de autoria do chef Renato Caleffi em parceria com as nutricionistas Andréia Naves e Mariane Iori. Caleffi, do restaurante paulistano Le Manjue, é conhecido na gastronomia por fazer um trabalho que une sabor e nutrição e aqui contribuiu para trazer receitas fáceis de fazer para quem deseja melhorar sua performance esportiva (vale não só para atletas, claro, mas para qualquer um que pratique esportes com regularidade). Bem interessante também o livro "Nutrição funcional & sustentabilidade: alimentando um mundo saudável" (Editora VP, R$ 170), assinado por Valéria Paschoal, Ana Beatriz Baptistella e Neiva Souza. Valéria, cabe dizer, é uma das idealizadoras do Congresso, e sua obra reflete o espírito dessa XVIII edição, trazendo discussões bastante atuais: de sementes transgênicas e agrotóxicos a conceitos de agricultura orgânica, natural e biodinâmica, passando pelas plantas alimentícias não-convencionais, entre outros. Importante para quem deseja se atualizar sobre esses assuntos, que precisam tanto de um debate amplo, para além dos círculos de nutricionistas, chefs e profissionais da alimentação.

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.