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Gosta de café intenso e encorpado? Aposte no terroir da Amazônia

Luciana Mastrorosa

02/11/2017 08h00

Cafés brasileiros de todo tipo na Semana Internacional do Café 2017 (foto: Bruno Lavorato/ divulgação)

Acredito que você já tenha ouvido falar da (excelente) fama dos cafés mineiros e paulistas, mas nunca provou um café cultivado em Rondônia. Acertei? Você não está sozinho. Na semana passada, durante a Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte, Minas Gerais, fiquei sabendo que não só há diversos cafés sendo produzidos na Amazônia (em particular, em Rondônia), como eles estão cada vez mais finos e bem manejados, resultando em uma bebida de qualidade premium na xícara. Enrique Alves, da Embrapa Rondônia, abriu a palestra "Degustação e História do Café Robusta Fino – Um Case de Rondônia para o Mundo" –, explicando que a diferença entre os grãos cultivados por lá e a maioria produzida no Brasil é a espécie: em vez do clássico Arábica, planta-se Canephora. Mais especificamente, uma variedade chamada de Robusta, que é naturalmente mais intensa e rica em cafeína do que os grãos de Arábica em geral.

Confesso que estava meio descrente: sou totalmente fã de Arábica porque, se for bem tratado do início ao fim da cadeia produtiva, esse tipo de café resulta em uma bebida de muita qualidade, com aromas finos, delicados, fácil de tomar até sem açúcar. E os Robustas que já havia provado não me animaram muito, sempre me pareceram amargos demais, sem nuances interessantes de aromas e, ainda, com nada de acidez, deixando a boca seca, com retrogosto desagradável. Por isso, me surpreendi ao provar o trabalho que vem sendo feito em Rondônia com esse tipo de café. Enquanto Alves explicava que o Robusta também pode ser fino, com sabor que lembra o chocolate amargo, caramelo e até amêndoas, e fica "interessante tanto puro como em misturas", o jovem barista Bruno Assis, o "Juninho" preparava o Robusta de três formas: coado, em espresso e misturado com leite. Aqui, vale um adendo: o jovem empresário e barista, nascido no interior de São Paulo, comanda hoje a cafeteria Juninho Soft Café e a Amazônia Coffee, que produz o primeiro café gourmet da Amazônia brasileira. Junto com a Embrapa, Assis e sua família apostam na melhoria da cadeia do café Robusta de Rondônia como um todo, focando cada vez mais na qualidade da bebida. Só que, segundo Alves, o diferencial da região está em tentar alcançar, nos últimos anos, uma qualidade excepcional para esse tipo de café, tornando-o mais fino e elegante, sem deixar de lado suas características principais: mais corpo na xícara, crema mais espesso e denso (aquela espuma que se forma em cima do espresso após a extração) e um teor 2 vezes maior de cafeína que os Arábicas (essa é para quem usa o café como aquela força extra para acordar).

Os grãos Robustas finos produzidos em Rondônia (foto: arquivo pessoal)

Assis acabou especialista nessa variedade, desenvolvendo, junto com seu pai, Junior Silva, uma técnica de torra que realça as qualidades desse café. Vale mencionar que os grãos de Robusta cultivados ali são enormes, gordos, difíceis de torrar – é preciso controlar muito bem esse processo, caso contrário podem tostar demais por fora e continuarem crus por dentro, atrapalhando a qualidade da bebida. Ou ainda: se ficarem torrados demais, desenvolvem muito o amargor naturalmente presente, deixando a bebida intragável.

E aí, é bom mesmo?
Degustamos primeiro o café coado e fui preparada para aquele amargor que eu já conhecia do Robusta. Resultado? Nada. A bebida desceu "redonda", encorpada, sim, mas com o amargor presente só lá no fundo, muito levemente. Uma delícia, de verdade. No aroma, algo que lembrou cereal e cacau, e, na boca, apenas uma acidez leve, sabor doce interessante e zero adstringência, o que é muito bom. Na sequência, Assis serviu o espresso e, aí sim, foi uma "porrada" sensorial: preparado dessa forma, achei realmente muito forte, encorpado e com um crema bastante espesso e bonito, mas bem amargo. Não consegui chegar ao fim.

O espresso feito com Robusta na Semana Internacional do Café: crema espesso e bastante corpo e amargor (foto: arquivo pessoal)

Porém, foi ótimo ter deixado um pouco de espresso na xícara, pois o barista nos convidou a prová-lo com um pouco de leite e, aí sim, dava para sentir novamente o manejo adequado dos grãos. Em contato com o leite, o café ficou bem mais agradável, com notas carameladas. O amargor não incomodou e fiquei imaginando que pode ser uma excelente alternativa para os amantes de um bom cappuccino, já que esse Robusta, por ter mais corpo, contribui para uma sensação de maior cremosidade.

Para finalizar, Assis serviu um cappuccino gelado feito com espresso, gelo, leite condensado e finalizado com chantilly; não tem como não gostar, e também mostrou que esse tipo de café vai bem com essas misturas, pois seu intenso amargor dá uma equilibrada no excesso de açúcar. Pessoalmente, preferi o coado, mas essa receita gelada foi o hit da degustação, muita gente repetiu. Atualmente, a Amazônia Coffee produz esses Robustas finos e dá para comprar pelo site da companhia.

Cafés da Amazônia apostam no Robusta, naturalmente mais encorpado e com mais cafeína (foto: arquivo pessoal)

Sobre a Semana Internacional do Café
Esta foi apenas uma das atividades da Semana Internacional do Café, que ocorreu na última semana de outubro, na capital mineira, e se consolida ano a ano como o principal polo para se conhecer, degustar, negociar e aprender mais sobre café. Para quem ama essa bebida, como eu, é "o" lugar para conhecer as tendências, provar as novidades e, principalmente, compreender que o nosso café do dia a dia pode ser muito melhor do que a gente imagina. Caio Alonso Fontes, diretor de planejamento da Café Editora, conta que, este ano, o evento teve a participação de um número ainda maior de produtores e também recebeu de 30 a 40% a mais de visitantes. "A gente organizou caravanas que gerou algo em torno de 1200 produtores visitando a feira, fora a visitação natural. Todo o elo da cadeia produtiva estava presente", diz Fontes. "A feira é realmente essa plataforma de conexão, que mostra as oportunidades que o mercado tem para cada elo da cadeia. Então, quando um produtor vem aqui, não conhece a parte dos cafés especiais e enxerga como as pessoas tratam café, quais são as etapas que existem até chegar ao consumidor final, para ele é uma transformação." Para 2018, o evento está planejado para ocorrer no início de em novembro e pretende atrair ainda mais público internacional, inclusive compradores, que vêm para cá em busca dos cafés mais premiados do país. Vale ficar de olho no site e acompanhar.

Semana Internacional do Café 2017 (foto: Vitor Macedo/ divulgação)

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.