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Nigella está de volta, de vida nova e apaixonada por óleo de coco e limão

Luciana Mastrorosa

09/11/2017 08h00

Caracóis com manteiga de alho, do novo livro da chef Nigella Lawson (Foto: Divulgação)

 

A chef britânica Nigella Lawson, conhecida por seus pratos regados a muito bacon, frituras e chocolate, musa do food porn, está de volta. Chegou no fim de outubro ao Brasil o seu novo livro, "Simplesmente Nigella – Comida para se sentir bem" (editora BestSeller /Grupo Editorial Record, R$ 144,90), lançado em 2015 em outros países. E, diferentemente dos outros livros da chef e apresentadora de TV, este mostra uma Nigella encontrando novamente refúgio na cozinha para ajudá-la na "alegre realidade de construir um novo lar", como diz logo na introdução, avisando a que veio. A obra reflete muito esse desejo de renascimento, após a chef ter enfrentado uma má fase, em 2013, após pedir o divórcio de seu ex-marido, o milionário e colecionador de obras de arte Charles Saatch, que foi flagrado agredindo-a publicamente. Logo após esse momento delicado, ela sofreu ainda o julgamento de duas ex-assistentes e confessou que fazia uso de drogas. Ou seja, bad total. Ficou dois anos afastada do mercado e, por isso, "Simplesmente Nigella" marca muito esse reinício.

Tchau gordura hidrogenada, oi óleo de coco!
Aquela Nigella que empanava e fritava tudo que via pela frente em montanhas de gordura hidrogenada parece ter ficado no passado, abrindo espaço para uma mulher madura, que continua interessantíssima, mesmo aparentemente mais simples e comedida, numa fase "menos é mais". Como ela mesma comenta, se seus livros anteriores, especialmente o "How to Eat", era sobre "ervilhas, marsala e ruibarbo", este é totalmente sobre "óleo de coco extravirgem, gengibre, pimenta e limão Tahiti", mostrando uma mudança no paladar da chef e no que ela considera comfort food. Mas não se engane: ela continua detestando o que chama de "vodu New Age sobre comida", ou "a noção de que os alimentos são prejudiciais ou curativos". Sai em defesa da comida como um prazer essencial à vida, mostrando que sua paixão por cozinhar e comer continua, firme e forte. Só mudou um pouco o foco de seus prazeres.

Simplesmente Nigella, novo livro da chef britânica Nigella Lawson

Com fotos delicadas, em tons claros e com produções minimalistas, assinadas por Keiko Oikawa, é impossível não notar como Nigella está numa fase mais "oriental", japonesa mesmo. Influências nipônicas aparecem por todo o livro, com o uso de missô, saquê, matchá (chá verde em pó tipicamente japonês), cogumelos, até receita de lámen (ou rámen) tem. Ainda está lá, claro, a exuberância da chef, como no biscoito de três chocolates com… trigo sarraceno. Sim, Nigella adotou também alguns hábitos e ingredientes "naturebas", como chia, vinagre de maçã, óleo de coco, limão, sabores picantes, mas frescos, como as pimentas, o gengibre, mas sem se deixar levar inteiramente pela onda da "comida saudável" (embora tenha escolhido sim algumas receitas sem lácteos e sem glúten). Simplesmente, passou a testar novos sabores e gostou deles, por isso estão no livro.

As influências indianas e tailandesas permanecem, com curries diversos e uso abundante de especiarias, o que a gente já podia notar em seus livros anteriores. Mas, desta vez, há uma certa leveza e paz de espírito que permeiam todas as páginas, foto a foto, receita a receita. Sabe aquela sensação que dá quando uma amiga querida sai da fase ruim e dá a volta por cima? Foi isso que senti com esse novo livro da Nigella. Uma amiga que passou por tanta coisa na vida (perdeu a mãe e o marido com câncer, depois passou por um casamento abusivo…), mas agora finalmente parece ter encontrado um caminho mais equilibrado e feliz.

E mais: se Nigella já tinha dito antes que amava coxinha (quando visitou o Brasil, no início de 2013, antes de sua tempestade pessoal começar), agora ela declarou sua paixão por pão de queijo – com receita e tudo.

Panquecas de aveia com framboesa e mel, uma das receitas de Nigella para o café da manhã (foto: divulgação)

Testando os caracóis
Como sempre gosto de fazer aqui no Menu do Dia, escolhi uma das receitas para testar: caracóis com manteiga de alho (receita completa aqui). Já estou acostumada com os pratos da Nigella, especialmente com os do "Nigella Express", que adoro. Mas confesso que sempre tenho um pouco de medo, porque uma vez fiz umas peras com gorgonzola que tinham tanta gordura que não consegui comer, o mesmo com biscoitos fortíssimos de chocolate, muito pesados. Desta vez, fiquei feliz de encontrar vários pratos diferentes e mais leves, como estes caracóis com manteiga de alho. A brincadeira aqui é que a chef usa o mesmo tipo de molho que se costuma servir com escargots – os tais caracóis franceses, uma das iguarias daquele país. Só que, em vez dos bichinhos, o prato leva massa italiana em formato de caracol. Ideia maravilhosa! E as crianças adoram.

Objetivo: alcançar este nível de beleza dos caracóis com molho de manteiga da Nigella (foto: divulgação)

Tem manteiga? Tem, mas numa quantidade que me pareceu razoável, cerca de 25 gramas por pessoa, um pouco mais de uma colher de sopa. E o molho é, basicamente, salsa, manteiga e alho. Ela tempera só com flocos de sal (disse que prefere), então segui seu exemplo e usei uns flocos de sal Maldon que tenho em casa, achei uma vez no mercado e uso bem pouquinho, para durar bastante (clique aqui e veja o que já falamos sobre tipos de sal). Mas não me aguentei e polvilhei também um pouco de pimenta-do-reino preta moída, e achei que ficou ainda melhor.

Outra adaptação: servi com queijo parmesão ralado na hora, e o resultado foi mais que aprovado. Testei também com gotinhas de limão e gostei, mas acho que descaracteriza um pouco o sabor. Não tenha medo da quantidade de salsa, no fim das contas a massa absorve bem o molho dentro dos caracóis, e a erva fica na medida certa.

No geral, achei as receitas bem didáticas e fáceis, dá para reproduzir numa boa. Como ocorre em todas as traduções de livros gringos, existem alguns ingredientes mais difíceis de achar por aqui ou que acabam sendo caros demais, como queijo halloumi (que Nigella sempre usa nas receitas), pastinaca, sementes de romã e feta. Mas dá para adaptar, com um pouco de criatividade. É um livro caro, mas são 416 páginas, com capa dura, fotos enormes e papel brilhante, mais 125 receitas que dão (muita) vontade de comer. É daqueles livros para abrir num dia de moral baixa e, do nada, voltar a sorrir. Boa, Nigella!

Os meus caracóis com manteiga de alho e muita salsinha: foto não tão boa, sabor excelente! (foto: arquivo pessoal)

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.