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Um giro pelo Centro com o chef Paul Carmichael, do premiado Momofuku Seiobo

Luciana Mastrorosa

03/02/2018 08h00

Porco San Zé, da Casa do Porco, em São Paulo (foto: divulgação)

Um dia depois do seminário Fru.to, alguns jornalistas foram convidados para um almoço de despedida na Fazenda da Toca, interior de São Paulo, dedicada a produção de orgânicos em sistema agroflorestal. Em meio aos palestrantes que fizeram parte do seminário – que ocorreu nos dias 26 e 27 de janeiro, em São Paulo, como contei aqui – estava o chef Paul Carmichael, do premiado Momofuku Seiobo, em Sydney, Austrália, eleito o melhor restaurante de 2016 naquele país pela Gourmet Traveller. Carmichael é amigo do chef brasileiro Alex Atala (dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito) e estava de férias no Brasil até 2 de fevereiro. "Estava nos meus planos conhecer o Brasil desde que eu era criança", contou ele. "Eu adorava assistir aos jogos de futebol com meu irmão".

O chef Paul Carmichael, do Momofuku Seiobo, em Sydney, Australia, provando as nossas famosas caipirinhas (foto: arquivo pessoal)

O chef é de Barbados, um país insular nas Antilhas, na América Central, mas estudou gastronomia no CIA – The Culinary Institute of America, em Nova York, nos Estados Unidos, antes de fincar os pés em Sydney como chef executivo à frente do Momofuku Seiobo. O restaurante faz parte do império gastronômico do chef David Chang, que detém nada menos que oito casas em Nova York, duas em Washington, duas em Las Vegas, uma em Los Angeles, quatro em Toronto, no Canadá, além do já citado Seiobo.

Batemos um papo rápido durante a visita à fazenda e, no dia seguinte, o convidei para um passeio gastronômico no Centro de São Paulo, pois imaginei que ele já tinha conhecido todos os restaurantes premiados da capital, e queria que pudesse ver como é um pouco da vida real paulistana. E também porque ele havia dito que, nas viagens que costuma fazer sozinho, gosta de conhecer e provar a comida tradicional do país, não apenas os lugares mais badalados.

Pancetta da Casa do Porco, com goiabada picante (foto: arquivo pessoal)

Eu estava certa: em sua breve estadia em São Paulo, o chef já tinha conhecido o Maní, da chef Helena Rizzo, o Mocotó, de Rodrigo Oliveira, todos os restaurantes de Alex Atala (claro), e alguns dos bares mais quentes do momento, como Guilhotina, Guarita e SubAstor. A ideia era levá-lo para comer pingado e pão na chapa, coxinha, brigadeiro e outras coisas que são a nossa cara, mas com zero glamour. Porém, o chef não toma café (nem mesmo os da melhor qualidade), então metade do roteiro teve de ser excluída. Dessa forma, optamos por uma sessão de comilança num dos locais que se tornou um verdadeiro ícone da região central: a Casa do Porco Bar, comandada pelo casal Jefferson e Janaína Rueda. Eles possuem também o Bar da Dona Onça e o recém-inaugurado Hot Pork, um pertinho do outro, próximo da estação República do Metrô – vale mencionar que o Hot Pork se dedica a servir apenas os sanduíches de salsicha artesanal criada por Jefferson, a preços bem interessantes (R$ 15 o "dogão" feito com embutido somente à base de porco, sem conservantes, corantes ou aromatizantes artificiais). Só esse hot pork já vale um post à parte.

Encontro de gigantes: Jefferson Rueda, da Casa do Porco (à esquerda) e Paul Carmichael, do Momofuku Seiobo (foto: arquivo pessoal)

Caipirinha, porco e muitos doces

Carmichael é muito simpático e adorou tudo o que provou no Brasil, até uma dúzia de minicoxinhas que um vendedor de celular no Rio ofereceu a ele. Por ter nascido em Barbados, muito da nossa cozinha se aproxima de suas raízes, mas o impressionou o uso que fazemos de certos ingredientes, como a mandioca. "É incrível como vocês fazem milhares de coisas só com isso, e tudo fica bom", disse o chef. "Mas eu ainda estou tentando entender o conceito de farofa", brincou.

De toda a experiência brasileira, ele conta que o que mais o marcou foi o jantar que teve no D.O.M., não só pela comida, mas principalmente pela experiência. "Comi bem em todos os lugares que estive, mas algo ali me deixou emocionado, foi um momento incrível".

"Vem pro coentro", drink autoral da Casa do Porco Bar, com coentro, limão, cachaça e espumante moscatel (foto: arquivo pessoal)

Na Casa do Porco, a ideia foi apresentar a ele uma comida mais de raiz, embora com a leveza e a assinatura do chef Jefferson. Assim, depois de uma sequência de diversas entradinhas (que incluíram até um tartare feito de porco cru), apresentamos ao chef o Porco à San Zé, com a carne ultramacia e a pele crocante, acompanhado de salada de couve e de almeirão, farinha de mandioca, farofa de ovo, tutu e tartare de banana. Para acompanhar, vinho e cerveja brasileiros, boa cachaça e drinks. O chef é apaixonado por coquetéis, pois seu pai fora bartender a vida toda, e ele cresceu em meio aos clássicos da coquetelaria.

Carmichael não conseguiu tirar os olhos da brigada, o tempo todo comentando como cada um era especializado em cumprir uma parte da tarefa. Adorou Jefferson, abraçou a sub-chef Gabriela, provou um monte de drinks e tomou cachaça no lugar do café, para "fazer a digestão".

As caipirinhas do Bar da Dona Onça (uma de tangerina com maracujá, outra de melaço de cana, limão e gengibre), e o caju amigo (foto: arquivo pessoal)

Não consegui apresentar a ele a tradicional feijoada, que ele ainda não tinha provado (afinal, era quinta-feira), mas achei que seria um absurdo Carmichael não comer ao menos alguns dos nossos docinhos tradicionais. Então, fechamos o minitour gourmet com pudim de leite, brigadeiro e quindim, do Bar da Dona Onça. Antes, porém, três drinks extras: caipirinhas de tangerina e maracujá, e de melaço de cana, gengibre e limão, e um clássico caju amigo. Apaixonado por doces, o chef nem reclamou do excesso de açúcar: devorou o brigadeiro, mas deu de ombros para o pudim e o quindim. "Só acho que o pudim de leite é um flan, não tem nada de diferente dos que já comi", disse ele, dando mais um gole na caipirinha de tangerina e maracujá.

Dali, ele ainda foi ao D.O.M. buscar ingredientes que havia ganho de presente de Atala, um pouquinho de Brasil para levar para casa. Incansável, aproveitou para provar uma sequência de cachaças no bar do restaurante (como o fígado aguenta, não sei) e dois gins brasileiros. Nos despedimos e ele continuou lá, firme e forte, saboreando os minutos finais da sua primeira viagem gastronômica pelo Brasil. Na próxima, já prometi: vai ter feijoada e macarrão com frango assado, sim! E PF no boteco da esquina.

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.