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Sem agrotóxico: o que é alimento orgânico, agroflorestal, biodinâmico?

Luciana Mastrorosa

03/07/2018 08h00

Crédito: iStock

Nunca a comida sem agrotóxicos esteve tão em evidência no Brasil como agora. Desde que a chamada "PL do veneno" foi aprovada pela comissão especial, que analisa as novas regras para regular os agrotóxicos, o debate tem se intensificado. Chefs de cozinha famosas, como a jurada do "Masterchef", Paola Carosella, e também Bel Coelho, de São Paulo, têm levantado bandeiras contra a flexibilização das regras pela liberação de agrotóxicos, ajudando a catalisar a discussão nacional.

Afinal, todo mundo quer ter assegurado seu direito a um alimento seguro e acessível – e, claro, sem veneno. Mas há muitos interesses em jogo e ainda não sabemos qual será o resultado final do debate. Além disso, 30% dos agrotóxicos liberados no país já foram banidos na Europa. Estamos vivendo um retrocesso?

Já comentei aqui no Menu do Dia sobre quais alimentos priorizar, se você quiser optar pelos orgânicos. E também já entrevistei o autor de um livro polêmico que saiu em defesa dos agrotóxicos. Fato é que, ao mesmo tempo em que existem diversos setores a favor da liberação de mais defensivos, muitos de nós gostaríamos de optar por um alimento fresco produzido sem riscos para a saúde. Enquanto essa discussão não chega a um fim, nos resta tomar atitudes no dia a dia para consumir alimentos seguros, sem nenhum traço de veneno. Uma dessas saídas é apostar no consumo de orgânicos, principalmente hortaliças, que são mais baratas e fáceis de encontrar.

O assunto levanta muitas dúvidas. Muita gente me pergunta o que é, de fato, um alimento orgânico, qual a diferença dos biodinâmicos e o que é, afinal, o sistema de plantio agroflorestal. Por isso, trago aqui algumas definições para ajudar você a fazer suas escolhas no dia a dia.

O que é, afinal, orgânico?

Alimento orgânico é todo aquele produzido sem o uso de agrotóxicos ou defensivos agrícolas. Existem certificações apropriadas para que determinados produtos possam usar o selo de orgânico. Mas a verdade é que esse conceito vai muito além de, simplesmente, não utilizar agrotóxicos na produção. Para ser chamado de orgânico, o cuidado com o alimento é feito de maneira integral, desde o manejo da terra (sem o uso de fertilizantes químicos), até uma proposta de não-agressão da natureza e de preservação do meio ambiente.

Assim, as técnicas para produção de orgânicos incluem o uso de compostagem orgânica, adubação verde e também diversidade de culturas. Ou seja, não plantar apenas uma coisa num espaço enorme, mas, sim, diversas variedades – ao mesmo tempo ou com intervalo entre elas. O produtor orgânico pode ter ou não um selo, que, muitas vezes, acaba custando caro. Por isso, quem quer consumir produtos sem agrotóxico, pagando um preço mais justo, pode começar a procurar feiras de produtores e também outras iniciativas que aproximem o consumidor final do produtor.

A própria Embrapa tem muito material online, gratuito, sobre cultivo e manejo orgânico, vale consultar para saber mais sobre como esse sistema funciona. Se você comprar direto do produtor, converse com ele, saiba onde os produtos são cultivados, peça certificados da qualidade da água usada para irrigar as hortas, enfim, procure saber de onde vem a sua comida. Afinal, não se trata apenas de preço, mas também da qualidade do produto que está indo para a sua mesa. Se você tem pouco dinheiro e quer consumir orgânicos, comece pelas hortaliças, como legumes e verduras. E também não tenha medo de provar ingredientes novos, coisas que você não comeria normalmente, como as pancs – plantas alimentícias não convencionais. Uma das maravilhas de consumir orgânicos é poder conversar com os produtores e descobrir o que está na época (e que, além de mais barato, também está no auge do sabor e da maturação).

Agrofloresta, o que é isso?

Como diz a própria Embrapa em seu site, "tecnologias vinculadas ao modelo agroquímico impulsionam fortemente a produção de hortaliças, mas apresentam problemas quanto à sanidade dos produtos, à qualidade de vida dos produtores e à conservação da biodiversidade". É por essas, e por outras, que o debate sobre o uso intensivo de agrotóxicos está tão vivo. Se você já plantou alguma coisa na sua vida, sabe que ela pode ser atacada por pragas. Eu mesma tenho uma oliveira plantada num grande vaso. Em menos de um mês depois de chegar ao meu quintal, essa árvore, típica do Mediterrâneo, começou a apresentar algumas pragas, como cochonilhas. O que fazer?

Num contexto doméstico, posso usar algum tipo de veneno para matar as pragas ou me valer de recursos naturais (como óleo de neem ou até uma solução de água e sabão de coco, para remover as cochonilhas mecanicamente). Porém, num contexto de produção agrícola em massa, a coisa muda de figura. Sim, é possível usar uma série de agrotóxicos, mas a questão é: eles serão aplicados de maneira correta? Haverá algum tipo de custo, em termos de saúde, para quem aplica esses produtos? E em termos de meio ambiente, água, terreno, como fica?

É aqui que entra o conceito de produção agroflorestal, que consiste, basicamente, em cultivar plantas, juntas, que acabam por se defender entre si, sem muita intervenção humana. Há inúmeras formas de manejo que permitem que uma planta seja capaz de se defender de determinadas pragas. Além disso, os chamados "sistemas agroflorestais" são considerados consórcios de culturas agrícolas. Ou seja: algumas espécies podem ser usadas na recuperação de florestas e áreas degradadas.

O café, uma das nossas maiores riquezas, é um bom exemplo. Tem gente produzindo café no Brasil todo, com ou sem clima apropriado para isso. Porém, já tive a oportunidade de visitar inúmeras fazendas que produzem café de altíssima qualidade e que, apesar do imenso volume de produção, utilizam pouco ou nenhum defensivo agrícola. E por que isso ocorre? Porque há um investimento em tecnologia – inclusive em barreiras naturais, com o uso de árvores – para evitar ao máximo o uso de remédios e venenos.

Isso é bom para todo mundo: para quem planta, para quem consome e também para quem vende, pois conseguem um produto com maior valor agregado. Como mostra a Ageitec – Agência Embrapa de Informação Tecnológica – a institucionalização da agricultura de base ecológica ocorreu em 2003, com o decreto Lei Federal 10.831 de 23 de dezembro 2003 (Brasil, 2003). Essa lei qualifica vários modelos alternativos de produção ecológica, como por exemplo agricultura orgânica, biodinâmica, permacultura, agricultura natural, etc.

Biodinâmicos e orgânicos são a mesma coisa?

A agricultura biodinâmica é bastante similar à orgânica, mas não se limita a não usar defensivos agrícolas para combater pragas. Muito mais do que isso, é um sistema de produção de base ecológica com características particulares, pois segue princípios como os da homeopatia e também o acompanhamento do calendário astronômico, como as fases da lua e o movimento dos astros. Não é tão comum no Brasil, porém é um sistema de cultivo tradicional utilizado em diversos países.

Foi difundida nos anos 1920, a partir dos ensinamentos do austríaco Rudolf Steiner, fundador também da Antroposofia. Como disse antes, assemelha-se à agricultura orgânica por também não fazer uso de defensivos químicos, preferindo técnicas que visam a proteger as plantas, considerando-as partes de um todo maior, comum a todos os seres vivos. A ideia é que a fazenda, ou a plantação, é um organismo em si, com interligações com tudo o que a cerca. Há inúmeras marcas apostando nesse tipo de cultivo. Inclusive alguns dos grandes nomes da vinicultura mundial, como os franceses da Romanée-Conti.

Brasil na contramão

Uma das maiores críticas à produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos é de que, sem o uso dos venenos, seria impossível produzir comida para a população mundial em constante crescimento. Porém, diversos países do mundo, como a Dinamarca – considerado um exemplo de felicidade, em diversos níveis – estão apostando cada vez mais na produção orgânica como uma forma de preservar o ambiente e também os seres vivos que ali habitam.

Cada vez mais, sabemos que não vivemos sós, mas, sim, fazemos parte de um grande ecossistema. Dessa forma, acredito fortemente que podemos usar a tecnologia a favor de um cultivo mais seguro e produtivo para todos, como o uso mínimo (ou, de preferência, nenhum) de defensivos agrícolas. E, se essa produção fortalecer o meio ambiente e puder nos deixar mais conectados e saudáveis, melhor ainda.

E você, o que acha dessa discussão sobre os agrotóxicos? Você é a favor ou contra? Conte para mim, estou no Facebook e também no Instagram.

Sobre a Autora

Luciana Mastrorosa é apaixonada por escrever, cozinhar e comer. Jornalista especializada em gastronomia e pesquisadora da área de alimentação, passou pelos principais veículos do país. Formada no Le Cordon Bleu Paris e Université de Reims Champagne-Ardenne, atualmente cursa o Mestrado em Nutrição Humana Aplicada, na Universidade de São Paulo. É autora do livro Pingado e Pão na Chapa - Histórias e Receitas de Café da Manhã (editora Memória Visual) e do e-book "Natal Feliz - 30 Receitas Incríveis para a Sua Ceia".

Sobre o Blog

Menu do Dia é o blog de culinária, receitas, gastronomia e nutrição, da jornalista e pesquisadora Luciana Mastrorosa. Aqui, você vai encontrar notícias, reflexões, receitas, degustações e muito mais sobre uma das melhores coisas da vida: comer.